terça-feira, 8 de maio de 2012

HISTÓRIA DE UMA RAÇA PERDIDA NO TEMPO


Se tem um esporte que gosto de praticar, é passear de motocicleta pelo interior do município de Ibiraçu. Dificilmente passo mais de um mês sem ir a Rio Lampê, ou então a Pedro Palácios, Santa Maria, Santo Antônio, ou em vários outros patrimônios. Como o custo de locomoção numa motocicleta não é alto  - uma viagem a Lampê, por exemplo, gasta-se  R$ 6,00, e em outro lugar do município, metade do valor  -,  passo a mão na máquina fotográfica, e lá vamos nós, consciente do risco que é andar de motocicleta, por que muitos não nos respeitam no trânsito.  Na viagem,  que considero um passeio, aproveito e registro por fotografias o que vejo como de alguma importância para todos, por mais simplória que seja sua história e existência, como ora conto sobre uma construção muito próxima da região do quilombo de São Pedro, em Ibiraçu.



 Cabana no  interior de uma floresta de eucaliptos em Lombardia


Entre 1978 e 1987, quando trabalhava na loja de produtos agrícolas do meu pai em João Neiva, aberta em 1982, comecei a usar a estrada que liga aquela cidade a Santa Teresa para entregar mercadorias. Depois de tantas indas e vindas, me habituei, o que hoje continuo fazendo. Normalmente vou até Lombardia, onde deixo a estrada para Santa Teresa e pego outra que passa na entrada da comunidade quilombola de São Pedro, depois Alto Piabas, Campinho do Sapê, Piabas e finalmente Pendanga e a BR 101.    

Desde que comecei a passar na região, observava uma construção coberta de sapê e com um banco de madeira ao centro, ao lado da estrada que vai para são São Pedro, na época, cercada de  pastagens e matas, hoje por floresta de eucaliptos.  


                 Construção vista da estrada de acesso ao quilombola de São Pedro
         

Inicialmente não imaginei muita coisa sobre aquela construção rude. Não tinha conhecimento da história e de outros fatos importantes de Ibiraçu, o que aprendemos, um pouco, depois, como por exemplo, sobre a comunidade negra de São Pedro, existente desde 1949. 


Refleti e passei a acreditar na possibilidade de talvez um dia ter sido aquela construção de sapê, um espaço para recreação, uma habitação provisória, ou então, um lugar de meditação ou outra prática espiritual. O entorno da construção é de uma beleza natural extraordinária, verdadeiro paraíso para reflexões e recreações, cercado de muitas matas e cachoeiras, que enriquecem nossa interpretação sobre a finalidade da obra ali edificada, o que procuramos saber, mas por hora só obtivemos informações precárias.  

                                 Cachoeira de  Lombardia, a poucos minutos do
                                 provável templo de meditação


Cabana ou templo, pelas quais não temos nenhuma certeza, está a meia hora, a pé, do quilombo. Mesmo sendo a cultura religiosa predominante naquela comunidade o catolicismo, nada impediria que outrora, um ou outro morador rebelde aos dogmas religiosos então ensinados, tenha escolhido um lugar mais distante para orar, digamos assim. O silêncio do lugar reina até hoje, o que favorece o exercício da espiritualidade, ambiente próprio para se dirigir e afastar do pensamento lembranças tristes da própria vida, ou então, de alguém da família que foi marginalizado ou injustiçado e por que não escravizado, ou ainda, refugiava-se àquele precário espaço para agradecer a felicidade e paz  que aquele isolamento produzia. Isso é o que nos fortalece para colaborar pela preservação desse pensamento no seio daquela comunidade. Pelo menos tento, ainda que muitos não vejam muita importância neste fato cultural, o que é de cada um.     

Precisa existir no município meios de  se estudar melhor os fatos da nossa cultura, principalmente por ser tratar de uma raça que livre e orgulhosamente reluta em habitar no  território de Ibiraçu, sem nunca ter causado um problema sequer. Valores assim da nossa história, ainda que aconteçam equivoco que levam a outros caminhos senão o imaginado, mas precisam serem interpretados. Não podemos admitir o risco de deixar o tempo destruir essa e outras tradições e costumes, sem conhecer a verdade essencial de seu idealizador e o fim desejado.

Particularmente, meu ponto de vista é de tratar-se aquela pequena obra isolada no mundo, do resquício de uma construção para a prática da espiritualidade de pessoas mais antigas da comunidade negra de São Pedro, única preservada e que se mantém nessa região, sendo as mais próximas a quase duzentos quilômetros, a partir de São Mateus. Conheço o quilombo de São Jorge, parte viva da cultura da raça negra naquele município, onde há cabanas semelhantes a que foi abandonada em São Pedro. 


Pela história, todos nós temos a obrigação de zelar. E isso tentamos fazer, ainda que  seja o que  comentamos, muito mais simples do que imaginamos.

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