domingo, 30 de setembro de 2012

DOCUMENTÁRIO E ENTREVISTA COM O SENHOR ELISEU CAMPAGNARO SOBRE IBIRAÇU ANTES DA CHEGADA DA IMIGRAÇÃO ITALIANA


Há alguns anos decidimos iniciar uma pesquisa sobre a história, fatos e acontecimentos de Ibiraçu ocorridos antes da chegada dos Imigrantes Italianos em 1877, depois que obtivemos indícios de que uma civilização já habitava essa região onde hoje está sediada a cidade de Ibiraçu, provavelmente de famílias silvícolas, negros e de descendentes de portugueses, conforme relatos de dona Maria Cristina Ignácio Barbosa, 102 anos, moradora de Aricanga, a qual confirmou que o seu pai nasceu nesta região.

Senhor Eliseu Campagnaro colaborador deste documentário, em frente ao quadro(reprodução) que retrata a sede da fazenda que inicialmente se chamava "Colina de Burgo Escuro" onde ele nasceu na avenida Cond´Eu, centro de Ibiraçu. No prédio a direita funcionava uma pila de café, mas não se tem notícias do ano de sua construção, o que acreditamos ter sido a primeira erguida no centro desde desde Vila de Cond´Eu com finalidades comerciais no mercado de café, enquanto as duas outras pintadas de azul foram edificadas no ano de 1958.

Primeiramente nos ativemos aos fatos relatados no livro “Karina” da romancista Virginia Tamanini, que narra em sua obra a existência de um barracão de madeira na região onde está edificada a cidade de Ibiraçu, onde armazenava-se mercadorias, provavelmente para abastecer as famílias que aqui já residiam, e depois, também, os Imigrantes Italianos que aqui chegaram. Segundo o aludido livro, do lado do referido barracão de madeira havia uma bica d´água canalizada que jorrava dia e noite dentro de um fosso de alvenaria que servia para aos moradores do lugar, e também, para  saciar a sede dos animais das inúmeras tropas que de ambos os lados passavam por Ibiraçu, ora oriundas da Vila de Santa Cruz e rumo à região de Terra Fria de Ibiraçu e de Lombardia, Santa Teresa, ora para Demétrio Ribeiro e Barra do Triunfo, parte destes fatos contados por Virginia Tamanini em sua obra e de outras informações obtidas junto a moradores antigos de Ibiraçu. Quanto a bica, diante do desnível que há entre a fonte da Biquinha e o lugar que funcionava o então armazém, não há outra resposta, senão afirmarmos que aquela canalização era de água extraída por gravidade da nossa Biquinha, um pouco mais acima para dar queda na água, talvez na cachoeira que há mais acima da fonte, num patamar mais alto.

Documento expedido por órgão público federal que traz a 1ª 
denominação da fazenda que tinha sede na avenida Cond´Eu 
e que se chamava "Colina Burgo Escuro" 

Posteriormente confirmamos que o referido armazém, que funcionava no barracão de madeira, existia aonde hoje residem Tia Mariquinha Pignaton e Natalino Rosalém, na avenida Cond´Eu, centro de Ibiraçu(relato do saudoso senhor Vitor Rocha Pimentel, profissional em contabilidade de Ibiraçu, além de comentado por outras pessoas de nossa cidade). 

No terreno anexo a casa que tio Natalino Rosalém mora, havia uma construção de tijolos crus, onde funcionava  a oficina do ferreiro e armeiro, senhor João Modenesi, pai de Tião Modenesi. Nos fundos daquela velha casa, havia, até algumas décadas  -  conheci por ter nascido e crescido em frente ao referido lugar na Cond´Eu, quando ela ainda era de poeira e por ter trabalhado na oficina de geladeira do senhor Tião no mesmo lugar  -, um fosso de cimento, que perfazia uma espécie de tanque redondo, com um metro de diâmetro aproximadamente, muito parecido com um forno de quitungo para cozinhar farinha. Anexo ao tanque havia um trilho de uns dois metros de altura e com alguns furos no seu interior. O trilho era fincado ao lado do fosso de mais ou menos oitenta centímetros de altura e que deveria servir para fixar a canalização d´água que vinha da Biquinha que ficava atrás do barracão, talvez até canalização de bambu, o que era muito comum à época. 
  
Depois de saber que o barracão de madeira era um armazém de mantimentos, passamos a entender que ele pertencia a família Pimentel(portuguesa), pois, anexa ao então barracão, ainda hoje há um outro casarão antigo na mesma avenida Cond´Eu, que pertenceu ao senhor João Motta(português), onde até recentemente morava o saudoso seu Lima e sua família). Ninguém sabe informar a data de construção do casarão dos Motas, mesmo sendo ele conhecido de muitas pessoas de  Ibiraçu desde crianças e  hoje com quase 100 anos, como por exemplo  é o caso do senhor Angelinho Pissinatti aqui relatado.

Documento expedido por órgão público federal que traz a 2ª denominação da sede da fazenda na avenida Cond´Eu. Nesta oportunidade, vemos que a propriedade chamava-se "Borgo Escuro", provavelmente depois de adquirida pelo senhor Cesare Guidetti junto ao proprietário anterior, senhor João Batista, um possível português

Documentos do Incra

Avançando com as nossas pesquisas, posteriormente trouxemos ao conhecimento de todos o livro “Memoriário” do ibiraçuense José Dauster, uma obra que há alguns anos  ganhei de um senhor da  família Pedrinha, fato que ocorreu no cemitério de Ibiraçu num dia de finados, ainda no século passado. O livro relata muitos fatos interessantes da cidade de Ibiraçu quando ainda se chamava Vila de Cond´Eu, depois Vila de Guaraná e  Pau Gigante, inclusive algumas construções, como a casa de música que havia onde hoje é o Centro Cultural Roque Peruchi e do antigo prédio que há em frente a agência do Banestes de Ibiraçu, onde morou e criou seus filhos o senhor Domício Martins da Silva, um gestor público de então, coronel da Guarda Nacional do Brasil Império, um provável fidalgo do imperador de todo o núcleo político e administrativo dessa região, com a sede do governo instalada na Vila de Santa Cruz, então um porto movimentado.   

Túmulo de Cesar Guidetti, o primeiro a ser sepultado no cemitério de Ibiraçu em 1896, 
provável comprador da fazenda "Colina Burgo Escuro". Faleceu poucos anos depois de chegar da Itália em 1877. Portanto, teve menos de vinte anos de Brasil para montar um negócio com a estrutura que observamos na imagem da pila de café na sede da fazenda na avenida Cond´Eu

Encetamos maiores estudos e análises e tomamos conhecimento que na região que compreende o vale da Biquinha, que começa na avenida Cond´Eu e se estende até a Cachoeiro Cumprido na Barragem, somados a  Entrevista que fizemos com o senhor José Ramos, que relatou que assim como ele que nasceu na Biquinha, muitas outras famílias de origem negra habitavam o lugar, inclusive familiares do senhor Luis Biral, que tinha uma casa na estrada que dava acesso ao vale  do Morro do Vitor, e de lá, para a  planície atlântica, única passagem, hoje propriedade de Alécio Rosalém, outrora uma fazenda do senhor Vitor Rocha Pimentel, adquirida ao casar-se com a viúva do senhor João Batista, o proprietário anterior da fazenda. A família Batista e Rocha, assim como a família Mota e Loureiro, esta também muito tradicional, praticamente se extinguiram em Ibiraçu, restando hoje poucas famílias.

Mausoléu  de Cesare Guidetti, o 1º a ser sepultado no cemitério de  Ibiraçu em 1896

Conforme nos conta na Entrevista o senhor  Eliseu Campagnaro, no Morro do Vitor havia  uma concentração de moradores de famílias negras, o que nos leva a acreditar ter sido aquela a primeira habitação coletiva(próximas) dessa nossa região, 
chamada iicialmente de “Colina Burgo Escuro”, (Burgo é uma palavra portuguesa que significa povoado), depois Borgo Escuro, (Borgo é uma palavra italiana que significa povoado), o que não foi confirmado pelo senhor Eliseu, apesar dele possuir algumas escrituras públicas que consta, também, a denominação Córrego Escuro à mesma propriedade. Apesar do senhor Eliseu não ter confirmado, mas para mim, que sou Escrivão Público em Cartório há quase vinte anos, houve uma má interpretação na pronúncia pelo oficial do registro de imóveis, pois, ele foi lavrado muito tempo depois, ou seja, em 1933. Contudo, os  três nomes foram usados pela pessoa jurídica que era a fazenda e a pila de café. 

Não há  outro  entendimento senão  que a ordem cronológica das mudanças da denominações da fazenda foram Burgo, depois Borgo, depois Córrego Escuro. 
  
Casa na fazenda de João Batista, onde morou Vitor Rocha Pimentel com a viúva do senhor João Batista, o provável primeiro proprietário da fazenda "Colina Burgo Escuro" e vendida depois para Cesare Guidetti

Na Entrevista o senhor Eliseu Campagnaro relata o que sabe sobre esta história, e complementa com alguns documentos que comprovam os fatos que pesquisamos, ainda que algumas coisas não estejam tão próximas da realidade que buscamos, mas que estamos seguindo seu rumo, sempre com a finalidade de descobrir a formação social de Ibiraçu antes da colonização pelos imigrantes italianos, e deixarmos estes estudos como legado da história dos primórdios de Ibiraçu para as próximas gerações. Conforme podem observar, temos preocupação com o futuro de Ibiraçu quando  falamos  de propostas econômicas e políticas, mas nada nos impede de colaborar, também, com a busca da verdade real do nosso passado e não somente ensinada oficialmente, como é o caso da única que praticamente todos conhecemos. 

Pé de coco aparentemente muito antigo que há onde era o lugar chamado 'Colina Burgo Escuro", depois Borgo Escuro, palavras que significam a mesma coisa(povoado),  coma  diferença da primeira palavra(Burgo) ser portuguesa e a  segunda(Borgo), do vocabulário italiano. Vamos solicitar ao órgão competente para  estudar a idade do pé de coco 

Como sempre lembramos, conhecemos a história de Ibiraçu  a partir da colonização da Imigração Italiana. Não existia até então  -  como ainda não sei se juntamos documentos importantes sobre os fatos, mas que acredito que estamos colaborando com a nossa história   -, absolutamente uma vírgula sobre o ante-colonização italiana, de forma que pudesse nos dar uma noção básica sobre a existência de uma grande fazenda sediada no centro de Ibiraçu, que provavelmente pertenceu a famílias de descendentes de portugueses, Batista/Pimentel, próximos dos Araújos, Motas, Martins e Silva, e que em nas cercanias da aludida fazenda viviam famílias de negros. A fazenda supostamente foi adquirida pelo senhor Cesare Guidetti, falecido em 1896, a primeira pessoa a ser sepultada no cemitério de Ibiraçu. A viúva de Cesare  Guidetti, dona Jacinta Guidetti por sua vez vendeu a fazenda adquirida por seu esposo junto a família Batista[acredito que português], para o senhor Francisco Campagnaro e  irmãos, propriedade que até o presente pertence aos filhos, um deles o senhor Eliseu Campagnaro   que colabora com a confecção deste  artigo que acredito será um documentário de estudos sobre este assunto que desconhecíamos, mas que doravante não poderá deixar de ser do conhecimento de  todos e para sempre.
  
Toco de um monstruoso pé de jaca em "Colina Burgo Escuro" e vista da cidade de Ibiraçu, em frente a montanha do Monte Negro. Pés de jaqueiras perfazem um caminho que passava pela propriedade dos Fantins, depois Depizol, parque Alegre, Quixadá, etc, tendo em alguns lugares formado florestas com dezenas de árvores, o que nos leva a acreditar que as sementes eram levadas pelos tropeiros ou até os próprios animais das tropas que passavam pela trilha. No alto do morro da propriedade dos Fantins há um bebedouro de pedras muito antigo construído para os animais  beberem sua água como ocorre até hoje  

Ibira Sul: Senhor Elizeu, a fazenda adquirida por seu pai e irmãos compreendia que região?

Senhor Eliseu Campagnaro:  A fazenda, que inicialmente chamava-se  “Colina de Burgo  Escuro”, depois “Borgo Escuro”,  mas que foi chamada também de “Córrego Escuro”, possivelmente por erro lavrado no Cartório, foi adquirida por meu pai Francisco Campagnaro e irmãos, que antes moravam numa fazenda em Perobas, terras que hoje pertencem  ao senhor Artlelino Modenesi. A propriedade foi adquirida  junto a dona Jacinta Guidetti, provável viúva de Cesare Guidetti, e começava aonde  hoje  é  a padaria da subida para o bairro Cohab, que foi inaugurada por meu tio Modesto Campagnaro e a partir de então sempre existiu no centro de  Ibiraçu. O terreno seguia até na rua da entrada da Biquinha, onde funcionava a sede da fazenda que tinha anexa uma pila de café em um prédio muito antigo que não sabemos quem construiu e nem quando. De fundos, a fazenda se estendia até o lugar que hoje conhecemos por Morro do Vitor,  alusão ao antigo morador Vitor Rocha Pimentel, onde existe ainda uma casa abandonada onde morava, depois de se casar com  a viúva do senhor joão Batista. A sede da fazenda tem hoje dois prédios, os quais foram construídos por meu pai em 1958, substituindo duas construções cobertas de tabuinhas, numa delas onde nasci.

Ibira Sul:  O senhor chegou a conhecer algumas pessoas que  moravam na fazenda, que  inicialmente, conforme documentos que o senhor apresentou, chamava-se “Colina Burgo Escuro”, palavra de origem portuguesa(Burgo), depois Borgo Escuro, agora uma palavra do vocabulário  italianos(Borgo) e depois Córrego Escurto?

Senhor Eliseu Campagnaro:  Sim! Moravam algumas famílias de  pessoas de origem negras. Lembro-me quando criança que íamos ao local e  lá encontrávamos os moradores distribuídos por várias casas próximas uma das outras. Algumas famílias cultivavam canaviais. Lembro-me do senhor Maximino Pinto dos Santos, Manoel Rosa, a família de Laudicina Colodino e seu irmão Francisco, conhecido por “Goaiba”, Olímpio Moreira, além de duas irmãs, senhoras Pedrinha e  Maria. Todos os  moradores eram negros. Seu Maximino fazia açúcar mascavo e quando vendeu a sua propriedade para o meu pai tinha café, banana e mil pés de cana de açúcar, conforme consta na escritura pública.

Venda de mil pés de cana e outras lavouras que havia na propriedade do senhor Maximino Pinto dos Santos, de origem negra, quando vendeu sua parte para  o senhor Francisco Campagnaro. Em sua propriedade, o senhor Maximino produzia o açúcar mascavo


Ibira Sul:   O senhor acredita que  poderia ter uma civilização antes da chegada dos Imigrantes Italianos?

Senhor Eliseu Campagnaro: Não temos como provar. Porém, as pessoas e a fazenda era muito antiga, principalmente o prédio onde funcionava a pila de café do lado de nossa casa, o que nos faz acreditar que alguma coisa existia antes dos imigrantes italianos chegarem a esta região!  Tudo era muito antigo, principalmente o pavilhão de três prédios que havia aonde hoje é a empresa Pimacol na avenida Cond´Eu
  
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OBS:  A produção de  açúcar mascavo provavelmente foi uma prática adquirida por aquelas famílias negras no engenho de açúcar que funcionava na fazenda das Palmas, do outro lado do Morro do Vitor, município de Sauaçu, e que depois pertenceu a senhora Catita Gratz, salvo engano, esposa de um senhor da família Loureiro. 

A  fazenda Palmas também foi uma aquisição, contudo, não sabemos se ela pertenceu ao veterano de guerra, Aristides Armínio Guaraná, que além de militar era também senhor de engenho na região litorânea de Vila de Santa Cruz, aonde, por muitos anos os imigrantes italianos trabalharam quando no Brasil chegaram, em situação análoga a de escravos.

Obra original do artista Zé Paulo Dileta que ilustra a sede da fazenda e nosso provável 1º nome "Colina Burgo Escuro", na avenida Cond´Eu, o coração da nossa cidade, depois Vila de Cond´Eu, posteriormente Vila de Guaraná, Pau Gigante, hoje, Ibiraçu 

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